O juiz da Comarca de Campos Novos, Juliano Schneider de Souza, julgou parcialmente procedente as denúncias do Ministério Público e condenou o ex-prefeito do município de Zortéa, Remilton Andreoni, o servidor Flávio Rodrigues de Lima, e os empresários Vitacir Favero, Vivaldino Pasqualotto e Roberto Carlos Pasqualotto por improbidade administrativa.
De acordo com a Ação Civil Pública, proposta pelo Ministério Público, os réus indevidamente fracionaram a aquisição de livros didáticos/pedagógicos de idêntica natureza, cujos fornecimentos se deram em três momentos próximos, todos no mês de janeiro de 2007. O somatório das vendas superou o limite de R$ 8 mil, previsto em lei para dispensa de licitação.
O réu Remilton Andreoni ordenou em 8/01/2007 a compra de livros didáticos para o ensino fundamental no valor de R$ 5.200,00 em benefício da empresa do réu Vitacir Favero. Onze dias depois, autorizou mais três compras diretas de livros didáticos para o ensino fundamental nos valores de R$ 7.809,10 e R$ 7.980,00 em benefício da empresa do réu Vivaldino Pasqualotto e da empresa do réu Roberto Carlos Pasqualotto (irmãos). Ou seja, em duas datas seguidas (08/01 e 19/01/2007) foram autorizadas três compras diretas de mercadorias de idêntica natureza para um órgão da administração municipal, totalizando R$ 20.989,10. As irregularidades foram detectadas pela auditoria do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.
Diz o MP que o próprio prefeito autorizou pagamento dos produtos mediante notas fiscais genéricas, que não especificavam quais livros foram comprados e a quantidade de cada material didático. As despesas ordenadas provem de quatro notas fiscais: a primeira (nº 1309) emitida em 8/01/2007 no valor de R$ 5.200,00; a segunda e a terceira (números 948 e 949) emitidas em 19/01/2007 montante de R$ 7.809,10; a quarta e última (nº 193), emitida no valor de R$ 7.980,00.
A nota fiscal nº 1309 foi confeccionada pela Grafluz Gráfica e Editora Ltda., nome fantasia Gráfica Raízes. “A empresa, que indica terceiros como sócios nos documentos, é gerida de fato pelo réu Vitacir Favero”, apurou o Ministério Público. O réu se defende alegando que a Grafluz presta serviços de gráfica para as edições do Jornal Raízes, que pagava pelos serviços contratados, tendo a Grafluz personalidade jurídica distinta, e sócios diferentes. No entanto, o contrato social da Grafluz informa como sócios a companheira e a sogra de Vitacir (à época).
Para o MP, o conjunto de provas demonstra que Vitacir Favero efetivamente geria as duas empresas que forneciam materiais didáticos para o município de Zortéa: Grafluz Gráfica e Editora Ltda., nome fantasia Gráfica Raízes, e a Vitacir Favero Me., nome fantasia Jornal Raízes de Um Novo Tempo.
As notas fiscais números 948 e 949 foram emitidas pela firma individual Vivaldino Pasqualotto Me., do réu Vivaldino Pasqualotto, e a nota numero 193 pela empresa Pasguetti Compercio de Livros Ltda., do réu Roberto Carlos Pasqualotto. Cada um dos irmãos, por meio de sua respectiva empresa, vendeu materiais didáticos de forma fracionada ao município de Zortéa. As vendas possuem valores muito próximos do limite legal para a dispensa de licitação.
Fraude em licitação
O MP denunciou também que, posterior a primeira venda de livros, o prefeito e o presidente da Comissão de Licitação no município de Zortéa, Remilton Andreoni e o servidor Flávio Rodrigues de Lima, voluntariamente fraudaram o processo licitatório número 01/2007 de janeiro de 2007 para a compra de livros em benefício da empresa do réu Vitacir Favero.
No processo licitatório, lançado no mês das três compras fracionadas, a proposta entregue pela Grafluz Gráfica e Editora Ltda., declara idêntico endereço da empresa Vitacir Favero ME., cujos envelopes contém tamanho da fonte e o estilo de digitação idênticos. Na referida licitação, a proposta da Grafluz foi enviada pelo email do Jornal Raízes, empresa de Vitacir Favero, comprovando que o réu administrava as duas empresas. Os documentos juntados evidenciam ainda que as empresas estão situadas no mesmo endereço e com telefones idênticos.
Foram convidadas três empresas: Vitacir Favero Me, Grafluz Gráfica e Editora Ltda., e Boscardin & Filhos Ltda., com sede no Rio Grande do Sul, considerada inabilitada por não ter entregado todos os documentos.
O MP aponta que as assinaturas dos sócios-proprietários da empresa gaúcha não conferem com o documento da suposta devolução, assinada na cidade de Frederico Westphalen/RS, no mesmo dia da abertura dos envelopes. “Diante das contradições, há indícios contundentes de que a empresa foi desclassificada da licitação sem se quer ter sido efetivamente convidada”.
Restaram habilitadas as duas empresas geridas por Vitacir Favero, sendo considerada vencedora pela comissão de licitação a Vitacir Favero Me., nome fantasia Raízes de Um Novo Tempo, cuja proposta indicava o valor de R$ 24.375,00, superior ao limite de R$ 24 mil estabelecido pelo edital.
A proposta previa a entrega de 7.500 livros para o ensino fundamental. Na época, somadas todas as séries das redes municipal e estadual o número de alunos totalizava 896 estudantes. A Diretoria de Controle de Licitações e Contratações do Tribunal de Contas do Estado constatou que o número de livros ultrapassou em muito o número de alunos naquele período.
Confira a sentença, publicada no dia 12 de julho:
CONDENO REMILTON ANDREONI à perda/proibição do exercício de qualquer cargo/função pública que por ventura exerça ou venha a exercer, pelo prazo de 10 (dez) anos a contar do trânsito em julgado desta decisão; à suspensão dos direitos políticos por 8 (oito) anos; ao pagamento de multa civil equivalente a duas vezes o valor da remuneração líquida recebida à data do término do mandato de prefeito de Zortéa; à proibição de contratar com o poder público – administração direta/indireta – por meio de sua pessoa, de firma individual ou de empresa na qual figure como sócio, ou ainda, em empresa na qual figure de fato ou de direito como administrador, restando proibido de receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 5 (cinco) anos. B) CONDENO FLÁVIO RODRIGUES DE LIMA à perda/proibição de exercício do cargo/função pública que por ventura exerça ou venha a exercer, pelo prazo de 5 (cinco) anos a contar do trânsito em julgado desta decisão; à suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos; ao pagamento de multa civil equivalente ao valor da remuneração líquida recebida em janeiro de 2007, período da licitação n. 01/2007; à proibição de contratar com o poder público – administração direta/indireta – por meio de sua pessoa, de firma individual ou de empresa na qual figure como sócio, ou ainda, em empresa na qual seja de fato o administrador, restando proibido de receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 5 (cinco) anos. C) CONDENO VITACIR FAVERO à suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos; ao pagamento de multa civil no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais); à proibição de contratar com o poder público – administração direta/indireta – por meio de sua pessoa, de firma individual ou de empresa na qual figure como sócio, ou ainda, em empresa na qual figure de fato ou de direito como administrador, restando proibido de receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 5 (cinco) anos. D) CONDENO VIVALDINO PASQUALOTTO à suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos; ao pagamento de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); à proibição de contratar com o poder público – administração direta/indireta – por meio de sua pessoa, de firma individual ou de empresa na qual figure como sócio, ou ainda, em empresa na qual figure de fato ou de direito como administrador, restando proibido de receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 3 (três) anos. E) CONDENO ROBERTO CARLOS PASQUALOTTO: à suspensão dos direitos políticos por 5 (cinco) anos; ao pagamento de multa civil no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); à proibição de contratar com o poder público – administração direta/indireta – por meio de sua pessoa, de firma individual ou de empresa na qual figure como sócio, ou ainda, em empresa na qual figure de fato ou de direito como administrador, restando proibido de receber benefícios, incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo de 3 (três) anos. F) RECONHEÇO e DECLARO NULAS as negociações descritas na inicial e relacionadas: à nota fiscal n. 1309 e respectiva nota de empenho n. 52 no valor de R$ 5.200,00 (cinco mil e duzentos reais); às notas fiscais ns. 948 e 949, cujo somatório corresponde à nota de empenho n. 164 no montante de R$ 7.809,10 (sete mil oitocentos e nove reais e dez centavos); à nota fiscal n. 193 e respectiva nota de empenho n. 165 no importe de R$ 7.980,00 (sete mil novecentos e oitenta reais). G) RECONHEÇO e DECLARO NULA a licitação n. 01/2007, da Prefeitura de Zortéa, nos termos da fundamentação. H) REJEITO o pedido do autor quanto à restituição dos valores descritos na exordial e indicados às fls. 419-422 dos autos, nos termos da fundamentação. A multa civil fixada para cada réu será corrigida monetariamente pelo INPC desde a presente decisão; juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir do trânsito em julgado. O montante reverterá ao Fundo para Recuperação de Bens Lesados de Santa Catarina. Diante da sucumbência mínima do autor, aplico a regra do parágrafo único do art. 86 do CPC. Assim, em relação às custas, considerando a gravidade da conduta de cada réu e pautado nos critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, Remilton Andreoni arcará com 40% (quarenta por cento); Flávio Rodrigues de Lima arcará com 20% (vinte por cento); Vitacir Favero arcará com 20% (vinte por cento); Vivaldino Pasqualotto arcará com 10% (dez por cento); e Roberto Carlos Pasqualotto arcará com 10% (dez por cento). Deixo de condenar os réus em honorários porque quando vencido em ação civil pública o autor é isento. Logo, à luz da interpretação sistemática do ordenamento jurídico não pode o autor beneficiar-se de verba honorária. Ademais, nas ações civis públicas intentadas pelo Ministério Público inexiste previsão legal para que tal verba seja imposta a fim de reverter em proveito do Fundo de Recuperação de Bens Lesados de Santa Catarina.
Fonte: Caco da Rosa