Ministério Público ajuíza ações contra fura-filas da vacina Covid

Desde que a campanha de vacinação começou, 208 denúncias de fura-fila chegaram ao conhecimento do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) e resultaram em quatro ações civis públicas (ACPs), três das quais já contam com decisões liminares. Estão em curso nove inquéritos civis, 44 procedimentos administrativos e 47 notícias de fato instauradas para a apuração de casos suspeitos. Também foram emitidas 16 recomendações de medidas que garantam a regularidade e a transparência da aplicação dos imunizantes, já acatadas pelas autoridades dos municípios abrangidos por 10 comarcas.

As apurações já constataram que pelo menos 58 situações suspeitas informadas ao Ministério Público não apresentavam irregularidades, o que levou ao arquivamento de 55 notícias de fato e três inquéritos civis.

Os procedimentos administrativos e as recomendações também resultaram em medidas e soluções extrajudiciais e de articulação com as autoridades de saúde municipais visando à garantia da distribuição correta das doses e ao acompanhamento da correta aplicação da vacina conforme os planos nacional, estadual e municipais de imunização contra a Covid-19.

Em todas as comarcas houve a instauração de procedimentos administrativos preventivos, específicos para a vacina ou apensados aos procedimentos gerais que monitoram as medidas de contenção à pandemia instaurados pelas Promotorias de Justiça com atribuições na área da cidadania e direitos humanos de cada comarca.

Isso não significa que tenham ocorrido apenas esses casos de irregularidades na vacinação no estado. Muitas suspeitas, antes de serem encaminhadas ao Ministério Público, são apuradas em processos administrativos internos nas Prefeituras Municipais ou denunciadas pelos cidadãos na Polícia Civil ou até em organizações da sociedade civil. Por lei, os atos ilícitos que configurem crime, improbidade administrativa ou afrontem a moralidade administrativa apurados por outras organizações ou na esfera administrativa devem ser levados ao Ministério Público para o devido processo judicial.

Todos os casos suspeitos que chegam ao conhecimento das Promotorias de Justiça, por meio de denúncias feitas por cidadãos ou por meio de notícias na imprensa e redes sociais, são apurados diretamente pelo MPSC. Na maioria dos casos, as apurações das Promotorias de Justiça constataram fortes indícios de responsabilidade de agentes públicos e até mesmo de atos de improbidade administrativa dos gestores municipais, mas também foi constatado, em pelo menos um caso, que sócios de uma clínica particular e seus familiares teriam desrespeitado os critérios que estabelecem os grupos prioritários de vacinação.

Ações já ajuizadas 

Em Bom Jardim da Serra, um dos primeiros casos de suspeita de fura-fila registrados no estado resultou, até o momento, no bloqueio de dos bens até o valor de R$ 66 mil do então Secretário Municipal de Saúde, Luiz Carlos Seminotti, por meio de uma medida liminar pedida pelo Ministério Público em uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa.

Segundo as investigações da 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de São Joaquim, Seminotti teria se utilizado do seu cargo para tomar a vacina contra o coronavírus mesmo não fazendo parte dos grupos prioritários listados nos Planos Estadual e Nacional de Vacinação. O ex-Secretário assumiu a função em 7 de janeiro deste ano e menos de duas semanas depois foi o décimo servidor do município a ser vacinado, mesmo sem atuar na linha de frente de atendimento ao público, como determinavam os planos de imunização, sendo que o município havia recebido apenas 29 doses e contava com 68 profissionais de saúde com direito à imunização. 

O Promotor de Justiça Gilberto Assink de Souza requereu na ação a condenação do ex-Secretário por ato de improbidade administrativa. O objetivo do bloqueio, deferido pelo Juízo da 2ª Vara da Comarca de São Joaquim, é garantir o pagamento de possível multa de até 20 vezes o valor da remuneração do cargo público, por danos morais coletivos, a ser aplicada em caso de condenação. A decisão é passível de recurso.

Em Biguaçu, após uma denúncia sigilosa de um cidadão por meio da Ouvidoria do MPSC, a 4ª Promotoria de Justiça instaurou um inquérito civil e constatou que os sócios de uma clínica particular conveniada ao município teriam furado a fila da vacinação alegando serem do grupo de profissionais da saúde. O Promotor de Justiça João Carlos Linhares Silveira ajuizou uma ação civil pública com pedido de liminar e a Justiça proibiu os sócios e seus familiares que também haviam se vacinado irregularmente de receberem a segunda dose da vacina contra a covid-19, sob pena de multa de R$ 10 mil.

A decisão liminar também proíbe que a clínica médica encaminhe à vacinação funcionários que não se enquadrem nos critérios prioritários dos Planos Nacional, Estadual e Municipal de Vacinação, sob pena de multa de R$ 10 mil por aplicação indevida. 

No pedido, a 4ª PJ de Biguaçu argumenta que, ao furar a fila da vacinação, desrespeitando os critérios definidos pelos Planos Nacional, Estadual e Municipal de Vacinação, os réus praticaram conduta passível de indenização por dano moral coletivo.

Em Itapema, a Justiça atendeu parcialmente ao pedido da 1ª Promotoria de Justiça e determinou que o município retirasse da lista de grupos prioritários que seriam vacinados no início de março os profissionais de educação, pois, naquela fase, o grupo prioritário ainda eram os idosos. A liminar foi decidida na Ação Civil Pública n. 5001897-16.2021.8.24.0125, ajuizada para apurar as responsabilidades pelo descumprimento dos planos nacional e estadual de imunização e requerer o restabelecimento do cronograma de distribuição das doses de acordo com a ordem dos públicos prioritários definidos no Plano Nacional de Imunização (PNI).

Em Planalto Alegre, uma ação civil pública também pede a responsabilização de uma autoridade municipal que teria se vacinado furando a fila da vacina e, além disso, pede a exoneração do cargo dessa autoridade em medida liminar. O caso tramita em sigilo.

Nove inquéritos civis em andamento

Atualmente, há pelo menos nove inquéritos civis investigando possíveis casos de burla aos planos de imunização em municípios catarinenses. O inquérito civil significa que as suspeitas levadas ao conhecimento do Ministério Público, após as apurações iniciais, apresentaram indícios suficientes de irregularidades para que fosse instaurado esse tipo de procedimento investigatório para a coleta de mais provas, por meio de documentos e depoimentos de testemunhas e mesmo de eventuais envolvidos mas possíveis ilegalidades.

Os problemas constados nessa fase podem ser solucionados mediante soluções extrajudiciais, como recomendações, ajustamentos de conduta ou acordos de não persecução civil ou criminal. Caso não haja uma resolução consensual, como as citadas anteriormente, o inquérito evolui para uma ação judicial civil ou penal.

Esses inquéritos apuram situações como o uso do cargo por autoridades para se beneficiar ou beneficiar pessoas próximas com a aplicação da vacina sem que pertencessem aos grupos prioritários de cada fase; a inclusão de segmentos profissionais ou setores nas fases de vacinação fora das especificações do PNI; a inclusão de pessoas na relação de profissionais ou categorias que poderiam receber a vacina, mesmo quando essas pessoas não se enquadravam nos critérios definidos no planos de imunização; a falta de transparência na distribuição das doses e na definição do calendário de vacinação; a distribuição de doses a funcionários, sócios ou parentes de donos de clínicas particulares que prestam, serviços de saúde ao município; entre outras eventuais irregularidades.

Os inquéritos em andamento apuram casos suspeitos nas comarcas de Biguaçu, Chapecó, Joaçaba, Lages, Papanduva, Quilombo, São Joaquim, São José do Cedro, Sombrio, Videira e Xaxim. Por se tratar de investigações, mais informações sobre cada caso não serão fornecidas neste momento.

Em três casos, os inquéritos civis foram arquivados.

Recomendações e soluções extrajudiciais

Em pelo menos 10 comarcas, que abrangem 35 municípios, a atuação do Ministério Público, após o conhecimento de situações suspeitas em relação à aplicação das vacinas, foi resolvida por meio de 16 recomendações, uma atuação extrajudicial das Promotorias de Justiça. A maior parte das recomendações apontou às autoridades municipais providências para dar maior transparência ao calendário de distribuição das doses, para corrigir as normas locais que definem os públicos prioritários ou prevenir medidas que pudessem facilitar ou proporcionar casos de fura-fila.

As comarcas com pelo menos uma recomendação acatada pelas autoridades municipais são Chapecó, Itapema, Presidente Getúlio, Quilombo, Rio do Oeste, São Carlos,São Joaquim, São Miguel do Oeste, Seara e Videira. 

Fonte: MPSC

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